Anabela Tereso é administradora do Valgrupo, que criou e construiu com o marido, Fernando Vicente, e que hoje já conta também com os dois filhos na gestão. Composto atualmente por 32 empresas, sobretudo do sector agropecuário, produz cerca de 1,8 milhões de suínos, 750 mil perus e quatro mil bovinos e faturou mais de 700 milhões de euros no ano passado.
Tudo começou há quase 40 anos, quando Anabela começou a tomar conta dos “porquinhos” de uma pequena suinicultura herdada pelo marido, para os fazer crescer enquanto ele viajava até ao Alentejo para comprar novas ninhadas. Depois foi a altura de as começar a produzir diretamente, até que 15 anos depois surgiu a primeira oportunidade de negócio, com a compra de um matadouro, o que lhe permitiu deixar as explorações, libertando-se de um trabalho muito envolvente em termos de tempo, pesado e penoso, que não lhe permitia o convívio com os outros. Desde então, esteve envolvida em todas as fases de crescimento e alargamento das áreas de negócio, à medida que a pequena suinicultura se transformava num dos maiores grupos do sector em Portugal, o Valgrupo, empenhando-se, tal como hoje, em tudo o que fazia, procurando aprender mais um pouco e fazer sempre bem. Num grupo investidor como o da sua família, gerido atualmente também pelos seus dois filhos, nenhum avanço é feito sem ser bem ponderado financeiramente e sustentado num projeto de recuperação e viabilização que resulte.
A sua vida evoluiu muito desde os primeiros tempos. Como é que tudo decorreu e quais foram os principais fatores que contribuíram para a mudança?
Antes de me casar, eu era pintora de cerâmica, o que fiz bastante jovem, com 18 anos. Era uma profissão muito diferente da que abracei depois.
Naquela altura o meu marido recebeu uma pequena suinicultura, herdada dos avós e eu passei a tomar conta dos porquinhos, enquanto o ele percorria o país, sobretudo o Alentejo, para comprar ninhadas para crescerem nas nossas instalações antes de serem enviadas para abate. E foi assim que fomos aumentando a nossa produção ao longo dos anos, um pouco de cada vez.
Estive envolvida diretamente na suinicultura durante mais de 15 anos. Era um trabalho duro, um bocado desumano devido à falta de condições que tínhamos para o fazer, e necessitava de muito esforço e dedicação da minha parte. De tal forma me envolvi, que deixei de conviver com as pessoas, e até de falar com as amigas mais chegadas. Quando deixei esta atividade, o que fiz também por razões de saúde, sentia-me quase analfabeta, incapaz de ler e escrever, e com pouca capacidade de comunicar e conviver com os outros.
Naquela altura não era necessário fazer registos em suinicultura. Para além disso, eu estava apenas ligada a explorações onde se fazia apenas o crescimento dos animais, para posterior abate, e não de produção de leitões. Investimos nessa área de negócio mais tarde, para podermos controlar melhor o nosso ciclo produtivo. Começámos com 200 reprodutoras. Depois fomos adquirindo outras empresas do setor, através de oportunidades de negócio que foram surgindo. O objetivo, que foi alcançado, foi termos uma produção abundante de suínos, para deixarmos de estar dependentes da aquisição de ninhadas a outros produtores, para garantir o fornecimento da matéria prima para as nossas unidades de crescimento e, posteriormente, os matadouros. Hoje produzimos mais de 1,6 milhões de suínos, mas também 750 mil perus e quatro mil bovinos por ano, porque fomos alargando o nosso negócio a outras áreas.
Quando é que deixou de estar ligada apenas à suinicultura?
Tinha 35 anos quando deixei de estar apenas ligada à nossa unidade de crescimento de suínos. Entretanto, as nossas explorações estavam a ter uma produção cada vez maior de animais que colocávamos para abate em vários matadores nacionais, do Norte, Centro e do Alentejo. Mas o objetivo era vendermos diretamente o nosso produto, sem intermediários que ficassem com uma margem das vendas. Por isso, quando um dos matadouros onde entregávamos os animais nos começou a dever uma quantia exorbitante de dinheiro, porque o seu negócio não estava a ser conduzido de forma saudável, o proprietário comunicou-nos que não conseguia pagar a dívida e propôs-nos que ficássemos com o negócio e o geríssemos. Foi o que fizemos.
Mas foi o meu marido que o assumiu. Ele tem uma grande visão para os negócios e para aproveitar as oportunidades e uma grande capacidade para perceber e definir como as coisas terão de correr para os negócios se manterem saudáveis.
Quais foram as principais dificuldades que encontrou, quando assumiu o novo cargo?
Quando deixei de cuidar dos animais, tive grandes dúvidas em relação às minhas capacidades para fazer qualquer outra coisa. Mas naquela altura já trabalhávamos com um programa informático de gestão e monitorização das unidades de produção, onde introduzíamos a vida do animal e todo o processo, incluindo os partos. Quando me comecei a dedicar mais à unidade de reprodução, decidi aprender a usar esta metodologia, porque sempre fui muito curiosa. Como já tinha esse conhecimento, passei a dedicar-me mais à gestão das pecuárias quando adquirimos o matadouro de Alcanede, o primeiro. Algum tempo depois, deixei de ter tanto tempo disponível para isso, porque passei a ser responsável pela parte das compras de produtos e serviços para a empresa. No início, não percebia nada disso, mais fui estudando, conversando com as pessoas e observando os processos para adquirir os conhecimentos necessários para desempenhar as funções. Como estive muito tempo como responsável pelas compras para o matadouro, função que acumulei depois com as compras para as pecuárias, fui aprendendo muito. Passei a conhecer e perceber melhor o mundo empresarial, e fui verificando que até tinha uma queda bastante grande para negociar.
Qual foi o momento mais desafiante da sua vida ligada ao Valgrupo? Quais foram as principais lições que retirou dele?
O momento mais desafiante da minha vida de trabalho foi precisamente aquele em que saí da suínicultura, um mundo onde não se passa quase nada, onde não é necessário mais do que algum conhecimento para se lidar com animais todos os dias, para trabalhar no matadouro. A vida empurra-nos por vezes no bom sentido, e eu cresci muito a partir daí. É bom termos formação, mesmo que não seja académica, porque nos ajuda muito a crescer. Foi o que aconteceu comigo.
Não pude continuar a estudar porque os meus pais não me deixaram. Disseram-me que tinha de trabalhar, até porque os meus irmãos também não tinham estudado. Era algo normal há 40 anos. Talvez por isso sinta que os diversos patamares que tenho percorrido têm sido todos desafiantes. Mas como aprendi muito em cada um deles, sinto-me orgulhosa de tudo o que fiz. Acho que não teria conseguido ficar em casa a fazer croché.
Em que é que consistem as suas funções atuais?
Eu estou ligada a vários departamentos das empresas do Valgrupo, alguns dos quais são liderados por mim. Hoje também estou mais ligada à Quinta da Atela , projeto dedicado ao enoturismo e produção de vinhos. Quando a comprámos, sabíamos que tinha muito potencial, até porque está bem localizada. Foi nisso que me baseei para investir no enoturismo, para receber pessoas e apresentar os nossos vinhos em espaços diferenciados. É necessário trazê-las para conhecerem a nossa quinta e perceberem, de perto, que o nosso projeto tem consistência e qualidade. É também por isso que promovemos eventos, o que tem contribuído para o crescimento da marca e da sua notoriedade. Da experiência que temos tido até hoje, acho que estamos a fazer um bom trabalho. Mas temos de fazer ainda muito mais.
O Valgrupo foi crescendo através da aquisição de outras empresas. Qual é a vossa filosofia de investimento?
Todas as empresas que adquirimos foram oportunidades, e todos os investimentos foram feitos com o objetivo de estarmos em todas as áreas do nosso negócio. Como temos sempre obras a decorrer, sejam de expansão ou de melhoria das nossas unidades de produção, também comprámos uma empresa ligada a construção para assegurar que esse trabalho é feito.
As empresas que fomos comprando não estavam bem, mas nós acreditámos que valia a pena investir nelas. Para mim, essa é a parte mais aliciante do meu trabalho, e do resto da minha família, incluindo o meu marido e os meus dois filhos: entrar numa empresa e recuperá-la, pondo-a ativa e saudável. Não é fácil, mas é um trabalho que conseguimos fazer muito bem, sobretudo porque somos muito organizados. Não vamos fazendo investimentos e tomando decisões apenas porque nos apetece. Só avançamos depois de fazermos as contas e planearmos a forma como tudo deverá decorrer depois de os investimentos serem feitos.
E, basicamente, somos nós os quatro que estamos a liderar todas as empresas do Valgrupo. Como é evidente, temos responsáveis por cada uma das áreas e departamentos, mas nós estamos sempre lá. O meu marido não consegue liderar todas as empresas que vamos adquirindo, mas sabe escolher qual dos outros três membros da família tem mais capacidade para isso.
Quais são os princípios de boas gestão das empresas do Valgrupo?
O segredo não é nenhum em especial. Quando compramos uma nova empresa, procuramos aumentar as suas vendas e controlar os custos internos, porque um negócio só cresce se for sustentado financeiramente. O Valgrupo é um grupo investidor e fazemos o nosso trabalho com conhecimento dos processos, controlo apertado de todos os custos internos e de aquisição de produtos e serviços e de todas as vendas, o que nos tem permitido crescer sempre.
Mas, para além de se ser cuidadoso com as contas, é necessário produzir e entregar sempre com qualidade para se ter sucesso.
Temos de apostar na qualidade acima de tudo. Se não oferecermos produtos e serviços diferenciados, que nos distingam das outras empresas, os clientes não nos procuram. É para assegurar isso que temos um sector da qualidade.
O que é hoje o Valgrupo?
É uma família, de quatro pessoas, onde se inclui, para além de mim, o meu marido, Fernando Vicente, que o preside, o meu filho mais velho, Davide Vicente e o mais novo, André Vicente, que trabalha toda com o mesmo objetivo. Construiu um grupo que nasceu do nada e foi crescendo até ser, provavelmente, o maior do sector da suinicultura em Portugal, que é, hoje, saudável e tem grande credibilidade no mercado.
Mas não somos apenas uma família dedicada à aquisição, recuperação sustentabilidade do negócio de empresas. Também gostamos e procuramos estar juntos para além das vezes que estamos em trabalho, porque isso é muito importante para a nossa saúde mental, e a vida não é só trabalho.
Texto: José Miguel Dentinho - Executiva